Animais terapeutas - Afeto que cura

25/02/2013 15:27

Há registros do uso de animais como coadjuvantes em terapias desde o século XVIII. Ma só nos últimos anos esse campo de pesquisa se ampliou, e o recurso passou a ser utilizado de forma sistemática por profissionais da saúde. (Por Sabine Althausen).

    Nas últimas décadas, porém, surgiu um dado novo: o crescente interesse científico pelo estudo da relação homem-animal, tendo em vista seu potencial terapêutico. As modalidades de intervenção com a participação de animais abrem, para os profissionais da saúde e da educação, perspectivas de uso de recursos terapêuticos auxiliares.

 Confiança

O primeiro relato da participação de animais em tratamento de saúde na sociedade ocidental contemporânea remonta ao final do século XVIII, na Inglaterra.

Já a partir dos anos 60, o Psicólogo americano Boris M. Levinson iniciou uma série de estudos de situações clínicas nas quais a presença do animal era fundamental no processo terapêutico.

Um cachorro, por exemplo, poderia satisfazer a necessidade humana de lealdade, confiança e obediência. A relação da criança com o animal permite nuances num nível intermediário, diferentes das estabelecidas com pessoas e objetos inanimados.

Estudos publicados a partir da década de 60 evidenciam o potencial terapêutico da participação de animais de estimação em situações clínicas. Desde então, as pesquisas e as práticas das denominadas Terapia Assistida por Animais (TAA) e Atividade Assistida por Animais (AAA) estão em amplo crescimento. A presente pesquisa analisa 12 registros filmados dos encontros realizados a partir da parceria entre uma escola de educação especial e um canil. Os encontros aconteciam num sítio, à freqüência era semanal e os horários eram fixos. Participaram quatro adolescentes com síndrome de Down. A narrativa dos encontros entre esses adolescentes e cães numa situação estabelecida tem por objetivo a elaboração de uma reflexão teórica cujo propósito é considerar o uso de um enquadre diferenciado que inclui a presença do cão como recurso. A lente sob a qual tais fenômenos são analisados e compreendida é a psicanálise de D. W. Winnicott. A investigação psicológica dos encontros evidencia a necessidade de levar em consideração o contexto humano oferecido pelos profissionais e as relações interpessoais estabelecidas. Pode-se observar que a maneira de se relacionar com o animal apresenta-se qualitativamente diferente das relações essencialmente humanas e das com objetos inanimados. Destacando a complexidade dos fenômenos observados entre as pessoas e os animais, percebeu-se que os cachorros interagiam com as pessoas não a partir das intenções ou sentimentos destas, ou ainda por meio de um discurso representativo: o cão reagia ao fato, ao comportamento humano, a comunicação ocorria de forma não-verbal. Outra possível função dos cachorros foi a de despertar diferentes aspectos do self, manifestados pelos adolescentes em suas atitudes, ações e verbalizações, facilitando a expressão de sentimentos. A análise também revela que a maneira de ser do cachorro através de suas ações de atender ou não aos comandos, de se deixar manipular ou não, de ser uma presença constante e segura, de ter uma inteireza e continuidade de ser – sugere a emergência de maior espontaneidade por parte dos adolescentes. Por fim, são tecidas reflexões teóricas que sustentam a possibilidade de uma clínica winnicottiana com enquadre diferenciado que inclui o cachorro como recurso.

 

Associações e Emoção

Espécies diferentes costumam despertar variados sentimentos e atitudes, tais como carinho, empatia, cuidado, identificação, hostilidade e medo. Dentre os diferentes aspectos que podem ser mobilizados alguns podem emergir apenas na relação com o animal, sugerindo que sentimentos difíceis de ser vivenciados no mundo humano encontram possibilidade de manifestar-se na relação com os animais.

     A forma como cada um lida com as situações vividas com os animais permite uma comunicação de seu mundo interno, valores e sentimentos, revelando aspectos subjetivos. Há situações em que o animal suscita conteúdos mentais das pessoas, tanto por seu simbolismo e pelo que pode representar como também pelos diferentes comportamentos que levam a associações e a experiências emocionais. Em psicoterapia, o contato com bichos pode facilitar a comunicação de conteúdos internos do paciente para o psicólogo. O recorte de uma sessão de uma menina que vivia num lar transitório à espera de adoção mostra isso. “Em seu primeiro contato com o cão disse à psicóloga que seu avô tinha um cachorro igual, depois paroue emendou: “Na verdade, o cachorro é da minha mãe, mas está com o meu avô, evidenciando que em sua família de origem pessoas e animais” são de sua mãe” - mas, assim como a garota, são cuidados por outras pessoas.

Comunicação sem interferência da racionalização favorece a inclusão do bicho no universo das fantasias infantis.

Sem Invasão

Muitas vezes, o contato com o animal é um recurso usado para o estabelecimento de comunicação com o paciente – e não uma terapia em si, assim como a brincadeira numa sessão de ludoterapiaganha sentidos próprios em função da especificidade da reação terapêutica.

     Em algumas situações o animal funciona como elemento intermediário entre terapeuta e paciente, evitando que este se sinta invadido – o que pode acontecer especialmente em quadros clínicos nos quais a pessoa está mais fragilizada, fechada no próprio mundo ou se sentido ameaçada pelo ambiente. Nesses casos, a presença do bicho facilita as intervenções, apropriação das experiências pelos pacientes e – seguindo a terminologia de Winnicott – despertar do gesto espontâneo ma busca do verdadeiro self. Como assinala esse autor, “e no brincar, e somente no brincar, que o indivíduo, adulto ou criança, pode ser criativo e utilizar sua personalidade integral: e é somente sendo criativo que o indivíduo descobre o eu (self).

Fonte: Revista Viver Mente Cérebro - Ano XIV - nº 169

 

 

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Paula Reis Psicopedagoga Clínica e Institucional- ABPp nº 12506